- A simplicidade dos blogues é decepcionante. Talvez seja a ferramenta mais importante que permite aos educadores conectarem-se uns aos outros.
- George Siemens, Peter Tittenberger, 2009.
Realmente já não estou habituado a esta estrutura desde que em 1997 comecei a escrever páginas na Internet. Em 1999 surgiram os primeiros serviços permitindo a publicação de páginas sem necessidade de editar HTML nem de fazer FTP. Múltiplos serviços como o Blogger cresceram exponencialmente em diversas áreas: debate público político e dos mais variados temas, recortes do quotidiano muitas vezes expondo a esfera privada, e obviamente na educação. Este texto limita-se aos Edublogues, isto é, escritos e mantidos com propósitos educacionais, embora se evite escrever este termo. Geralmente foram entrando silenciosamente nas escolas, levados por professores ou alunos que já os utilizavam pessoalmente. Hoje a tendência é para os integrar nos Planos das escolas a par das restantes actividades, mas continuam tão invisíveis quanto antes.
O grande problema da escrita linear é que exige uma grande estruturação das ideias para evitar repetir o que já foi dito. Num blogue podemos adicionar etiquetas aos posts, ou esperar que estes apareçam apenas quando forem procurados, ou indicados por posts relacionados. O importante é que o blogue cria a própria ordem pela qual serão apresentados os conteúdos, enquanto no texto simples sou responsável pela ordem que o leitor seguirá!
Como já todos os leitores sabem a expressão blogue resulta da contracção do termo inglês Weblog, porque é isto que está escrito na Wikipédia! Outra origem da expressão que entretanto deixou de ser referenciada encontra-se na associação “blá blá log”. Esta transmite a ideia de que o blogue corresponde ao registo simples do “blá blá” desde que o seu utilizador se liga à Internet. Enquanto a primeira explicação coloca a ênfase nos leitores como se fôssemos todos potenciais escritores e jornalistas (justificação industrial, adiante!), a segunda remete para uma utilização pessoal dos blogues, como extensão natural do ambiente de trabalho (justificação doméstica, adiante!), pois uma vez que temos os computadores permanentemente ligados à Internet, os blogues são certamente a ferramenta mais simples para organizar a informação. Steve Wheeler (2010?), refere uma noção de Goffman onde este destaca a reflexividade a que induzirão e a sua adequação a contextos formais:
O blogue é uma página pessoal usada para manter um diário online. Os blogues podem ser usados para uma variedade de outros fins, mas geralmente são criados e mantidos por indivíduos que escrevem e publicam o seu conteúdo para os outros os lerem. Blogues facilitam a reflexividade dos alunos em contextos formais, através de um processo de recordação, escrita e "gerenciamento de impressões" (Goffman, 1959 (!))
A utilização de blogues em contexto pedagógico não resulta de nenhuma decisão de iluminados, mas de práticas que se vão infiltrando nas escolas, mais nuns níveis de escolaridade que noutros. Procuraremos compreender as diferentes decisões quanto à utilização desta tecnologia nas comunidades de prática da aprendizagem conectivista, interpretando as decisões dos agentes em função dos seus constrangimentos, nas diversas situações.
Interpretando as decisões em diversas situações: os regimes de justificação
Para ficarem de acordo sobre aquilo que é justo, as pessoas devem reconhecer um bem comum (Boltanski, Thévenot, 1991:183). Em ordens legítimas, as pessoas compartilham uma humanidade comum expressa numa capacidade comum de ascender ao bem comum. No universo escolar esta humanidade comum expressa-se na igualdade de direitos entre os seres, e noutros que não serão aqui referidos em função dos limites do artigo. O importante é sublinhar que o constrangimento dos actores a ordens legítimas permite agrupar as “normas práticas” em regimes de justificação onde os próprios explicitam as suas actividades.
É obviamente significativo que todos os autores se refiram às ciências da educação, no plural, porque o seu corpo de conhecimentos não se encontra suficientemente estruturado para que constitua uma ciência. As teorias que difundem, são tanto mais consideradas úteis pelos professores, quanto estes nelas revejam orientações práticas, que possam transpor facilmente para as suas actividades escolares, caso contrário serão ignoradas. Seleccionei o Conectivismo como teoria de aprendizagem para interpretar os cenários pedagógicos em que são utilizados blogues porque esta me parece mais actualizada em função do desenvolvimento tecnológico, e portanto com maior utilidade prática. Por imposição das suas necessidades práticas, sucede até o aspecto curioso – constatado no fórum do Moodle – de os docentes adoptarem o “Conectivismo” no seu quotidiano muito antes de conhecerem a sua designação. O reconhecimento de que os actores adoptam regras práticas não inviabiliza o seu estudo porque estes obedecem a regras, seguem modelos e respondem a expectativas. Nas suas actividades pode-se sempre detectar uma certa ordem, que resulta do facto de os intervenientes se reconhecerem em determinados modelos. Neste trabalho são imaginados[1] dois modelos para compreender o entendimento professoral na selecção das tecnologias. Associados ao Conectivismo, permitirão perspectivar coerentemente as referências que os professores tomam, como pensam, os juízos que fazem, interpretar as suas decisões no contexto das suas acções.
“Para ser válida, a selecção dos diferentes cenários pedagógicos e/ou do design instrucional deve repousar sobre critérios justos, de saberes legítimos e ser levada a efeito em condições de relação entre o designer e os aprendentes que correspondam às relações normais entre os professores e os alunos. É este o momento fundamental sobre o qual se fixa o trabalho de denunciação, que se concentra frequentemente sobre a precisão do dispositivo de prova” (Derouet, 1992:83, remix para o tema). Daqui decorre o meu método de trabalho: irei utilizar a blogosfera para escutar o que alunos e professores disseram sobre as suas experiências de utilização de blogues educativos, verificando em que medida correspondem às expectativas da teoria de aprendizagem, e testando o contributo dos regimes de justificação para um melhor entendimento dos percursos pedagógicos mediados por blogues. Definem-se abaixo os dois regimes de justificação, partindo de diferentes concepções da criança.
[1] Num trabalho mais desenvolvido os regimes de justificação deveriam ser construídos tendo em conta a especificidade do objecto de estudo. Refiro-me a dois modelos imaginados porque irei transpor para a selecção de tecnologias os dois regimes de justificação que se revelaram mais pertinentes para o entendimento professoral da avaliação, num mestrado anterior.